Na tarde de 31 de maio, as estações da Trensurb receberam uma ação que foi parte da Semana da Luta Antimanicomial, alusiva ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, celebrado em 18 de maio. As atividades no metrô estavam previstas originalmente para essa data, porém, devido às condições climáticas, foram adiadas. Realizada nas estações Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapucaia, Esteio e Canoas, a ação contou com intervenções artísticas do grupo Nau da Liberdade – formado por usuários, estudantes e trabalhadores da rede de atenção psicossocial (RAPS) –, acompanhados do músico e psicólogo do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Sapucaia do Sul, Giordano Dias. Em cada estação, esteve presente um grupo de trabalhadores e usuários de serviços de saúde mental de cada município. As atividades foram organizadas pelo Coletivo de Trabalhadores, Usuários e Gestores da RAPS dos Municípios da Linha do Trem, com apoio da Unisinos e das prefeituras municipais. Além da ação no metrô, a Semana da Luta Antimanicomial contou com diversas atividades nos municípios integrantes do Coletivo, como jogos de futebol, visitas aos serviços de saúde mental, palestras e exposição de arte.
Segundo a coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de São Leopoldo, Cristina Cannas, a articulação coletiva dos municípios surgiu em meio às dificuldades impostas à rede de atendimento em saúde mental em virtude da pandemia. “Resolvemos fazer essa intervenção coletiva para nos reunirmos, pensarmos juntos sobre como dar conta desse agravamento e como festejar esse 18 de maio como um momento de reencontro para qualificarmos nossas redes”. Segundo ela, “a linha do trem é o elo que conecta esses municípios”.
Psicóloga e professora da Unisinos, Cristiane Knijnik participou do processo de construção da Semana da Luta Antimanicomial. Segundo ela, o 18 de maio é a data em que se reafirma “a possibilidade das pessoas em sofrimento psíquico serem cuidadas em liberdade e não serem trancafiadas em manicômios e hospitais psiquiátricos”. Cristiane afirma que “a importância dessa ação no trem era para que os passageiros e as pessoas que estavam nas estações pudessem encontrar com a loucura através da arte e não através da doença ou da exclusão”. Sobre a atuação do Coletivo que organizou as atividades, a psicóloga declara ainda: “Pela primeira vez, pudemos estar juntos, as equipes de saúde mental e também os usuários de saúde mental, para discutir, pensar e avançar no cuidado em liberdade”.
Integrante do Conselho Estadual de Saúde e do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, a técnica de enfermagem aposentada Maria Conceição Abreu atuou por mais de 30 anos no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. Ela também é integrante do grupo Nau da Liberdade e participou das ações no metrô. Segundo Maria, algumas das fantasias utilizadas nas intervenções foram pintadas e bordadas dentro de oficinas de criatividade do Hospital São Pedro. Algumas já têm cerca de 30 anos, tendo sido utilizadas pela primeira vez em manifestações em prol dos direitos dos usuários da rede de atendimento em saúde mental. “Em 1992, eu fiz uma roupa de palhaço para sair na passeata, para dizer que lá fora do Hospital Psiquiátrico São Pedro existia um outro mundo que era possível, que não era o cinza do São Pedro, que lá fora existia um mundo que tinha cor, que tinha vida, que tinha possibilidades”, afirma ela. “E aquela roupa me deu força para que eu fosse junto para estar dizendo isso e para falar pelos usuários que não tinham voz naquela época”, completa Maria. Essa fantasia a acompanhou ao longo de muitos anos, durante um processo de mudanças que trouxe avanços nas formas de tratamento de saúde mental. Até que, há algum tempo, ela entregou a uma usuária da RAPS: “Aquela roupa eu passei para uma usuária que até hoje luta pelo cuidado em liberdade, pelo fim dos manicômios, e disse pra ela: ‘hoje eu não preciso mais estar usando esta roupa, porque hoje vocês têm voz, conseguem reivindicar seus direitos, por liberdade, por saírem de dentro dos hospícios, para estarem morando dentro dos residenciais e terem uma vida com mais dignidade’”. Essa mesma fantasia foi utilizada pela usuária durante as intervenções nas estações da Trensurb.
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